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Bolívia/Chile – Machi Francisca Linconao toma a palavra no território dominado pelo estado boliviano

12, janeiro, 2018 Sem comentários

Apesar da turbulência e das especulações, várias delas com um ar racista, na imprensa e no contexto político no Chile sobre a chegada de Machi* Francisca Linconao na Bolívia,  ela esteve aqui na semana passada, simplesmente porque tem o direito de viajar para onde queira, depois de ter sido absolvida pela segunda vez no caso Luchsinger-Mackay.

Francisca Linconao, Machi da Lof** Rahue, em Temuco, concordou em nos dar um testemunho sobre sua vida nos últimos anos. A vida de uma mulher mapuche, autoridade espiritual de sua comunidade, na qual podemos ver refletida de muitas maneiras a vida e a luta na Bolívia de mulheres em comunidades indígenas que estão sendo ameaçadas em sua própria existência por atividades extrativistas, expansão de monoculturas, projetos de mega infraestrutura, mineração ou petroleiros.

Machi Francisca, foi a primeira mulher mapuche a interpor e ganhar um Recurso de Proteção em 2009, fazendo cumprir pela primeira vez no Chile o tratado 169.

Para muitxs de nós, o nome de Francisca Linconao, foi desconhecido até vários anos depois, quando a imprensa divulgou as notícias sobre sua primeira detenção em janeiro de 2013 pelo caso da morte do casal Luchsinger-Mackay.

Antes da mídia corporativa e do estado chileno através da Lei Antiterrorista, vincularam e acusaram Machi Linconao e outrxs 10 membrxs da comunidade mapuche pela morte dos dois latifundiários, a luta mais subterrânea de Francisca Linconao se desenvolveu em Temuco, quando ela decidiu proteger as plantas medicinais e os Menokos*** de sua lof, interpondo um Recurso de Proteção contra a Forestal Palermo, representada por Alejandro Taladriz.

Francisca Linconao é Machi Tralkan, o que significa que seus poderes de cura e tratamento estão ligados ao trovão. Sua vitória contra uma florestal que realizava o corte ilegal de árvores, plantio de espécies nocivas como pinheiros e eucaliptos, que afetaram as florestas nativas e os mananciais da comunidade, não é apenas a vitória de seus conhecimentos de curandeira frente ao poder das empresas florestais, mas uma das chaves, nos diz a Machi, para entender a subsequente perseguição que continua enfrentando.

Ela, que ganhou um recurso de proteção contra uma florestal, e agora, por decisão do poder judiciário e pressão da família Luchsinger, aos 61 anos, tendo sida absolvida duas vezes, deverá recomeçar pela terceira vez o processo legal pelo mesmo caso.

Comunidades mapuche: sob a Lei Antiterrorista e as montagens judiciais

Julgar alguém mais de uma vez pelo mesmo caso, é algo que não é permitido (ainda) pelas leis bolivianas. No entanto, as comunidades mapuche que vivem constantemente perseguidas pela Lei Antiterrorista, -uma das piores heranças da ditadura de Pinochet-, são vulneráveis a essas reveses das ações legais do estado.

A continuidade do neocolonialismo judicial se expressa na aplicação da Lei Antiterrorista axs detidxs mapuches, que permite a “prisão preventiva”, e, até recentemente, a prisão de menores de idade nos casos que o estado considera estar destinados a gerar “terror” para a população. As massivas greves de fome protagonizadas por presxs políticxs mapuche de 2010 a 2011, permitiram que fossem modificadas em alguns elementos.

Xs acusadxs pelo caso Luchsinger-Mackay, e portanto Machi Francisca Linconao, são julgadxs pela Lei Antiterrorista, com base nas montagens judiciais, como a mesma Machi nos narra em seu testemunho, bem como em outros casos seguidos e revelados sobre tudo pelos meios alternativos em Wallmapu. No entanto, casos como o de Brandon Hernández Huentecol, em que o jovem mapuche de 17 anos, foi baleado por 40 tiros pelas costas por um carabinero chileno, não é considerado pela justiça como um ato para “gerar terror”. Mas, então, o que é que vivem dezenas de comunidades mapuche quando militarizam suas regiões, quando forças de segurança disparam impunemente contras xs membrxs da comunidade ou quando se reprime violentamente com brutalidade crianças e mulheres?

A partir de como se vive julgadx pela Lei Antiterrorista, dos mananciais e plantas medicinais da Lof Rahue e sua defesa, Machi Francisca Linconao nos fala mais amplamente, em sua breve passagem pela Bolívia, como experiências no próprio núcleo do colonialismo e o avanço capitalista nos territórios.

Que se difundam suas palavras que chegam com a força do Tralkan****.

* principal figura médica, religiosa, conselheira e protetora do povo Mapuche
** é a forma básica de organização social do povo Mapuche
*** fontes de água em mapudungun
**** trovão em mapudungun

Fonte: Chaski Clandestinx
Tradução: Turba Negra