Fonte: Act For Freedom Now
Tradução: Turba Negra
“De que vão nos perdoar?
De ter trazido rifles para combater em vez de arcos e flechas?
De ter aprendido a lutar antes de fazê-lo? ”
Subcomandante Insurgente Marcos
Xs anarquistas e outras individualidades libertárias, vemos na representação eleitoral uma fraude para os processos de libertação individual e coletiva do povo: entrar nos mecanismos legais, públicos e simbólicos do ESTADO, é delegar a nossa liberdade para que outros decidam por nós, o que que em termos práticos é traduzido na resignação voluntária à nossa capacidade de eleição e ação, isto é, a resignação voluntária para exercer nossa liberdade.
Quer esteja sob o controle de capitalistas, burocratas, indígenas ou trabalhadores, o ESTADO em si é o antagonismo da liberdade pessoal, ambiental e social das pessoas. Por que dizemos? Porque, de fato, é a organização máxima de controle, vigilância, coerção e repressão que a humanidade civilizada criou; Por esta razão, é absurdo para nós que a candidata Marichuy do CNI (Congresso Nacional Indígena) adote os mecanismos legais, simbólicos e morais que o Estado legitima para exercer o poder: ao fazê-lo, o máximo carrasco da liberdade está sendo legitimado. Sabemos muito bem que eles não querem chegar ao poder, nem governar a nação, nem que podem ganhar eleições, o problema que temos com sua candidatura é algo mais sério em nossa opinião, nos referimos à moral que Marichuy imprime à população, essa moral do Pastor e do rebanho, que é a moral dos porta-vozes, líderes, sacerdotes, burocratas, profetas, empresários e partidos que orientam a população com o argumento de representar a vontade das maiorias, negando-as desta forma – as pessoas e os povos – a liberdade de ação imediata para conquistar sua liberdade, uma vez que os representantes políticos são filtros, bloqueios, dispensadores, que limitam e/ou impedem ações diretas para que pessoas e povos dêem a si mesmos a liberdade e dar conta que para fazê-lo, você não precisa de intermediários.
A seguinte nota:
A lógica daquele que manda e obedece, do amo e seus fiéis, do tirano e seus escravos, dos burgueses e seus empregados, do porta-voz e seus partidários. É a velha canção de obedecer ao que manda, porque ele sabe, porque ele supostamente conhece o caminho certo para todos em qualquer momento e lugar. Essa moral é, em particular, o pastor que conduz seu gado ao matadouro. Besteira! É absurdo acreditar e apoiar líderes carismáticos que lhe prometem a libertação, uma vez que a liberdade e o bem-estar não podem ser concedidos por ninguém, é aquele que deve procurá-los através do autocuidado, da solidariedade e do apoio mútuo que não requer grande organizações ou partidos, mediadores simpáticos ou projetos de massas que requerem uma grande organização onde a agência de indivíduos é reduzida a uma coletivização dogmática de um projeto político.
Não queremos nem aceitaremos ser governados por nada e ninguém, lutaremos até a morte todas as formas e projetos de governo, controle e coerção; portanto, este slogan do “Conselho do GOVERNO indígena” causa desgosto, pois sabemos que todo governo é força e repressão – como diz o CRASS – ou como foi apontado e declarado por P.J. Proudhon: “Ser governado significa ser observado, inspecionado, espionado, dirigido, legislado, regulamentado, embutido, doutrinado, lido, inspecionado, estimado, apreciado, censurado, enviado. Ser governado significa ser registrado, registrado, registrado, selado, medido, avaliado, citado, patenteado, licenciado, autorizado, apostilado, admoestado, conteúdo, alterado, alterado, corrigido, ao realizar qualquer operação, qualquer transação, qualquer movimento. Significa, sob pretexto de utilidade pública e em nome do interesse geral; ser forçado a pagar contribuições, ser inspecionado, monopolizado, depredado, pressionado; depois, com a menor queixa, reprimida, multada, injuriada, maltratada, desarmada, apreendida, presa, julgada, condenada, deportada e, além disso, zombada, ridicularizada, indignada e desonrada. Esse é o governo, essa é a sua justiça e sua moral! “(1851) [i]
Venha de quem vier, sempre rejeitaremos propostas para serem dirigidas e organizadas por um líder carismático ou por porta-vozes de vontade popular que realmente representam a si mesmos e os seus lacaios sedentos de exercer o poder. Não importa se quem quer governar é mestiço, negro, branco ou indígena, quem planeja e executa projetos para governar, faz propostas para controlar as vontades alheias as suas, negando, portanto, a liberdade intrínseca de que não temos apenas seres humanos, mas todos os seres vivos. A decisão de agir DIRETAMENTE sobre nossas vidas é cancelada por esse aparato moral e social que chamamos de democracia, direta ou representativa. Sabemos que sua campanha não fazem pelos votos (apesar de fazê-lo pelo poder que o INE concede através do Estado) e o que eles procuram é um apelo à organização, mas essa chamada é a mensagem do pastor para suas ovelhas, do mestre aos seus servos. Obedecer as ordens do CNI implica que as pessoas não estarão organizando por si mesmas, mas pelos interesses de seus líderes e seu desejo de exercer o poder sobre a sociedade, isto é, GOVERNAR; As pessoas simpatizantes de Marychuy estão se organizando pela moral implícita de seguir o líder que promete esperança de libertação. Eles dizem que o fazem por estratégia. Qual estratégia? A de defender pelos mecanismos do Estado ao território mexicano do extrativismo neoliberal com o qual eles deveriam estar em guerra? Como eles pretendem alcançar isso quando os mecanismos que eles estão realizando atualmente – solicitar que o INE (Instituto Nacional Eleitoral) registre Marychuy na cédula para as eleições federais de 2018, por exemplo – são mecanismos que pactuam com os carrascos do Estado e da indústria, que neutralizam os legítimos projetos de autonomia e PACIFICAM AS INSURREIÇÕES que realmente procuram acabar com qualquer forma de governo, incluindo formas de governo de esquerda.
Lendo os múltiplos comunicados, entrevistas e observando inúmeros documentários do EZLN e da CNI, percebemos que sua estratégia é NACIONALISTA e, portanto, proclamam implicitamente os valores de territorialidade nacional que equivalem a manter que uma série de fronteiras territoriais que deve ser protegidas por um exército e protegido dentro pela polícia, ou seja, uma ordem nacionalista voltada para vigilância, punição, coerção, sofrimento, submissão a uma série de leis legais que protegem os interesses dessa coletividade fanática, ortodoxa, orgulhosamente racistas que chamamos México. O mesmo Subcomandante Marcos diz que eles perceberam que no momento de lutar contra o governo que não estavam enfrentando o Estado, mas sim um poder extra-nacional que é o capitalismo global, então: é por isso que eles deram sua luta aos mecanismos de Estado para proteger a nação mexicana dos grandes capitais, com a esperança de que os aparelhos burocráticos, policiais e militares limitem a invasão do capital estrangeiro? Absurdo! O território, a natureza, os povos, as individualidades, sabem e podem se defender sem mediadores e apenas por mediadores (Estado/líderes/burocratas), é que as florestas e as comunidades estão sendo destruídas, porque limitam a capacidade de ação, defesa e ataque contra a investida do projeto de civilização industrial. Sabemos muito bem que, diante da indústria e do Estado, implica enfrentar diretamente a polícia, o exército, os paramilitares e mesmo a própria sociedade civil, que vê na destruição da natureza uma forma de progresso, mas só no enfrentamento direto com os carrascos da Vida, é como as coisas são realmente defendidas, e não através de mecanismos democráticos, legais e pacifistas. Os movimentos pacifistas e legistas acabam sendo esmagados pelo estado quando ocorrem disputas territoriais, por exemplo, quando as comunidades rurais se opõem a algum mega projeto: há detidos, presos, torturados e mortos, depois de alguns anos o mega projeto está instalado e todos os esforços são inúteis, acontece – e é o mínimo dos casos – que a legalidade do Estado falha a favor das comunidades e suspende o mega projeto, mas acontece o mesmo, que o mega projeto ainda está aberto, latente , apenas adiando sua implementação, aguardando o momento em que a lei (os juízes) deu melhores condições para sua execução. Sim, a terra será defendida, os rios, se for lutar contra a gentrificação, é feito diretamente, sem mediações e sem posturas ridículas de pacifismos que apenas servem para reproduzir as lógicas de vitimização. Estamos fartos de todas as organizações de direitos humanos que vivem pegando recursos estatais para fazer documentários e registros de como as comunidades e as individualidades são brutalmente reprimidas, fartos de que mediem as lutas, fartos de que envolvam demandas na suposta defesa de pessoas afetadas pelo Estado, demandas que nunca são cumpridas. Absurdo é que o mesmo Estado castigue a si mesmo!
Aquela paz pregada pela legalidade é a paz do cemitério, é por isso que vemos na luta frontal contra a industrialização e o Estado, a única maneira de defender nossas vidas da devastação que acontece todos os dias. Devolver golpe por golpe, morte por morte aos carrascos é a única maneira de vencer aqueles bastardos leva vidas. Não queremos a paz, queremos a vitória! Sabemos que vocês dizem que é impossível derrotar o Estado, mas acontece que é possível, quantas vezes as insurgências acabaram com a dominação estatal, quantas vezes os projetos libertários triunfaram: muitas, muitas vezes! Mas aconteceu que, os esquerdistas que ansiavam pela velha ordem, devolveram à sociedade a organização do Estado e, com ela, o Governo e com o governo os mecanismos de controle, vigilância, punição e submissão que impedem a liberdade de todos os seres vivos, nos referimos assim, porque não importa só a liberdade de nossa espécie, mas a de todas.
Agora, antes de sentir desprezo – o que sabemos que alguns já sentem – para nós anarquistas e nossa postura indomável para lutar contra qualquer forma de controle, governo ou partido que seja de direita, centro ou esquerda, lembrem-se de que o movimento anarquista foi aquele que provocou e iniciou a Revolução Mexicana – nunca descartando métodos violentos – lembrem-se de que Emiliano Zapata foi influenciado decisivamente pelos anarquistas em sua ideologia revolucionária – apesar de que os magonistas se recusarem, em 1913, a unir forças com suas fileiras considerando sua luta limitadamente regionalista e reformista[1], lembrem-se de que a frase Terra e Liberdade é uma frase de origem anarquista, lembrem-se de que a frase para todos tudo, para nós nada – que todos pensam que é do Sub – é uma frase dos irmãos Flores Magón, anarquistas que foram presos e mortos por nunca aceitar, pactuar ou negociar com o Estado. É por isso que, a partir de uma análise histórica e atual da situação, a estratégia da CNI é um desperdício de energia, consideramos contraproducente a pacificação das lutas que a candidatura de Marichuy está causando, porque essa candidatura significa o pacto e a negociação com os carrascos que administram o Estado, isto é, admitir e reconhecer o governo em sua função supostamente legítima de Controle, Vigilância e Punição sobre as pessoas. É submeter-se aos calendários institucionais daqueles que mandam e dos que obedecem. Por que visualizar sua luta através de uma candidatura que ocorre nos marcos de tempo e espaço das eleições federais? Para invadir no poder Estatal? Para nada! Só fazem o jogo do Estado, só acabam por legitimar explicitamente e acatar implicitamente as determinações e ordens dos que governam e administram esse massacre que se chama progresso, que se chama Estado e indústria.
Agora, temos outra coisa a dizer – isto é, mais coisas – queremos questionar os estatutos que o EZLN tem como uma carta de apresentação e que muitos de seus seguidores tomaram sem crítica: para começar, do título de “Bom Governo” a coisa está ficando feio o suficiente, porque não pode haver bons governos, porque – como já foi reiterado muitas vezes – o governo é vigilância, punição, controle, obediência; Em relação à obediência, o primeiro ponto da carta de bom Governo do EZLN diz “Obedecer não mandar” essa lógica só favorece aqueles que justamente mandam nos governos e partidos (Quão inteligentes são os líderes do EZLN e do CNI!) Um dos maiores problemas da humanidade foi e é a obediência massiva; os grandes problemas da humanidade foram dados apenas para obediência e não por desobedecer. Quanto ao segundo ponto que diz “representar e não suplantar” Por acaso representação – em termos políticos – não é suplantar o outro porque esse outro forçou ou voluntariamente sua vontade de agir? Para representar politicamente, como foi dito desde o início deste texto, é negar às pessoas a capacidade de agir diretamente por sua liberdade e destino. Essa dinâmica de representação política é uma dinâmica confortável para as classes média e alta que veem na CNI e MORENA (partido de esquerda) uma esperança para a Mudança sem ter que manchar suas roupas e mãos? Quanto ao quarto ponto que diz “Servir, não se servir” É apenas uma moral dos escravos, que beneficia aqueles que governam em grandes organizações políticas, seja de centro, direita ou esquerda, é uma lógica que ajuda os porta-vozes/dirigentes/líderes dos partidos como é o CNI. O quinto ponto diz: “Baixar, não subir” outro valor de escravos, de vitimização e auto humilhação, de modo que os sujeitos que estão em cima, estejam eternamente. Para nós, se trata nem de subir nem de baixar, mas construir novos mundos horizontalmente (sem baixar ou subir politicamente), que de diferentes maneiras são iguais, sem rebaixamento político! Quanto ao último ponto que diz “dar vida, não tirá-la”. Para nós, essa frase é a mais delicada, porque a vida é o mais precioso, o mais belo da existência, então dar isso para um partido político, para o líder carismático ou os dirigentes e seus valores democráticos e populares nos tornam absurdos: a lógica do mártir também é moral para escravos, que se sacrificam por causas que muitas vezes nem compreendem nem são inteiramente suas. Para nós, para dar vida pra lutar contra o Estado, a industrialização da existência, não é um sacrifício, nem um dever instituído nas normas sociais, pelo partido ou da vontade popular, mas os compromissos que assumimos desde o momento em que decidimos ser livres e ser livres através da ação direta, sem mediadores que vivam como parasitas do poder e obediência daqueles ao seu redor e continuam… e para nós matar um banqueiro, cacique, biotecnólogo ou o fascista do seu bairro, é algo bonito, uma bela violência que não anseia a paz, mas a vitória; É feio, terrível matar, mas às vezes é necessário tirar vidas, depende do contexto e porque é feito, mas nunca transformaríamos em um mandamento, nem em um estatuto moral de uma “carta de bom governo”… e sim, preferimos dar vida do que tirá-la, mas às vezes para dar, é necessário matar aqueles que assassinam a Vida com os projetos industriais onde o Estado é o escudo principal para realizá-los.
Esta carta foi escrita por anarquistas que amam a liberdade, por alegres sabotadores de governos e empresas. Que criticamos a CNI com tanta dureza e alguns aspectos do EZLN não significam que nos opomos, em qualquer momento, as lutas legítimas pela liberdade e libertação dos povos originários da América e do mundo, ao contrário, somos cúmplices de todos esses “índios” que se negam ao progresso, que sabotam máquinas, que fazem bloqueios e barricadas para frear o progresso ecocida dos mega projetos de morte, somos cúmplices de todos aqueles que enfrentam o poder diretamente, que resistem e mais que resistem combatem golpe por golpe, morte por morte aos governos e as empresas assassinas, que afinal são mesmo lado da mesma moeda. Nós, anarquistas e outros indivíduos libertários e coletivos, sofremos ameaças de morte, perseguições, prisões, morte de companheirxs e, portanto, sabemos perfeitamente o que significa lutar sem trégua contra os carrascos que exercem o poder da economia e da legalidade industrial e civilizada, mas não por essa razão nos assumimos como vítimas ou negociamos com o Estado e as empresas, pelo contrário, nos assumimos cada vez mais como guerreiros que atacam clandestinamente, dando golpes estratégicos, duros e letais ao sistema da morte nos pontos onde mais dói… e no cotidiano continuaremos tecendo redes de afinidade, realizando uma projetos infinitos projetos autogestivos, dando apoio a todos os projetos autônomos e liberação das populações que assim decidiram. Esta crítica é porque vemos na candidatura de Marychuy coisas que, longe de avançar a libertação, atrasam-na; o apoio às comunidades indígenas do México e do mundo pelos anarquistas sempre esteve lá… e continuará sendo, porque um dos problemas mais sérios da humanidade tem sido o colonialismo e não vamos parar de lutar até que o vejamos queimar nas chamas da ação direta.
28 de Novembro de 2017, desde algum lugar do México.
Algumxs anarquistas pela Anarquia
Notas
[i] Proudhon, P.J. (1851), ideia geral da revolução no século XIX.
[1] No livro Magonismo: História de uma paixão libertária 1900-1922 de Salvador Hernández Padilla, são coletados alguns dados que expõem as diferenças e conexões entre o zapatismo e o magonismo anarquista. Entre as informações destaca a correspondência pessoal entre Emiliano Zapata e membros do Conselho Organizador do Partido Liberal Mexicano.