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São Paulo, Brasil – Sobre pluralismo, tolerância e monitoramentos: em marcha a perseguição aos anarquistas

31, outubro, 2017

Em 2009, sob o governo estadual de Yeda Crusius (PSDB), a sede da Federação Anarquista Gaúcha (FAG), foi invadida pela polícia que roubou livros, computadores e material de propaganda. Na mesma época um professor anarquista foi executado e fez-se pensar que havia sido um suicídio (nusol.org/agora/agendanota.php?idAgenda=310).

Em 2013, em duas ocasiões (junho e outubro) novamente a sede da FAG e a casa de um de seus militantes foi invadida, desta vez sob o governo Tarso Genro (PT), que declarou se tratar de “grupos criminosos com financiamento internacional” (nu-sol.org/flecheira/pdf/flecheira300.pdf).

Não coincidentemente, na mesma época, na cidade do Rio de Janeiro, a “intelectual orgânica” do mesmo partido do governador pontificou do alto de sua autoridade de filósofa do Estado, para uma plateia de policiais militares, que os black blocs presentes em manifestações de rua eram fascistas.

Nas democracias liberais, os anarquistas são insuportáveis para o pluralismo governamental, pois não esperam nem praticam a tolerância e são alvo dos monitoramentos que regularmente acionam as forças de polícia repressiva.

Desta vez, na madrugada de 26 de outubro de 2017, iniciou-se uma investigação da polícia civil chefiada por um delegado definido como especialista em crimes de intolerância, deflagrada com mandatos de busca e apreensão nas cidades de Viamão, Novo Hamburgo e Porto Alegre, no estado do Rio Grande do Sul.

Os mandatos levaram a invasão da antiga sede da FAG (onde funcionava o Ateneu Batalha da Várzea), da Ocupação Pandorga, da sede do Coletivo Parrhesia e de várias casas de militantes.

A polícia declara que são 30 investigados, sendo 15 deles colegas estudantes de pós-graduação em antropologia da UFRGS, alguns estrangeiros, mas não divulga os nomes.

Na operação a polícia roubou livros (que constavam no mandato como material perigoso), computadores, celulares, material serigráfico para confecção de camisetas, faixas de manifestações e garrafas pet com material de reciclagem utilizadas como tijolos para bioconstrução.

A feira de livros anarquistas que ocorreria em Porto Alegre, neste fim de semana, foi cancelada por decisão dos próprios organizadores do encontro. Esta foi a forma de protesto encontrada por eles diante de mais um ataque abjeto da polícia do Estado.

Desta vez no interior desta escabrosa “Operação Ébero” — na mitologia grega, o filho do Caos —, forjam acusações contra os militantes e cometem o descalabro tacanho e burro de vincular anarquistas com fascistas e nazistas, etc… Este tipo de vinculação não é de espantar, é inerente à polícia e ao Estado que toma a sua própria estupidez por inteligência.

Não basta dizer que “protestar não é crime”, pois isto nada mais é do que a velha batida que, dependendo da ocasião, tanto respalda o pluralismo que tolera até mesmo um fascista, como não titubeia em tentar destruir anarquistas e pretende distinguir o “preso comum” do “preso político”. Ledo engano.

Todo preso é um preso político! E qualquer anarquista não deve ignorar isto. Da mesma maneira é preciso estar atento para o fato de não haver “fatos criminosos”, pois o crime não passa de conduta considerada inaceitável para uma determinada ordem, num momento específico.

O crime é apenas uma construção moral e política que interessa ao Estado, ao capitalismo, aos proprietários e a todos que cultivam o apreço pelas penalizações, juízos e castigos. Todos, também, que posam de avançadinhos e coleguinhas de ocasião de pessoas ou grupos que lhes convêm, mas, não suportam anarquistas e pretendem em vão riscá-los do mapa. São os cidadãos-polícia que censuram, atacam e pretendem obstruir práticas de liberdade.

Não surpreende que as democracias liberais, por meio de suas autoridades policiais gerais associem anarquismo à intolerância. Os anarquistas situam o insuportável, enquanto eles, pretendem determinar o governo do justo meio. Do justo que define a liberdade como um universal que nada mais é que sua particular segurança.

Não surpreende que, em plena democracia, repetem-se as violências do Estado amparadas pela Lei de Segurança Nacional, conduzidas pelas forças armadas durante a ditadura civil-militar contra a existência de espaços anarquistas. No final dos anos 1960, somada a prisão de jovens pertencentes ao Movimento Estudantil Libertário (M.E.L), é conhecido o arrombamento pela polícia de sedes de associações libertárias e o sequestro de materiais “explosivos” como livros, mimeógrafos, ventiladores, fichários, estatutos, alvarás de funcionamento, fotos de piqueniques.

Também não surpreende que a sua mídia retome a histórica associação entre anarquia e caos, violência e vandalismo, requentada, à esquerda e à direita, desde as revoltas de junho de 2013.

É inadmissível que a brutalidade do Estado e a ignorância rocambolesca da mídia ataque espaços, associações e militantes libertários.

Essas operações desgovernadas alimentam o espetáculo da catástrofe em redes sociais e televisões, e pode destruir a vida de pessoas. Alguém ainda se importa em saber como estão os 23 encarcerados em Bangu, no Rio de Janeiro, durante a Copa do Mundo de Futebol de 2014? Fala-se em contenção de ações violentas, mas quem questiona o imensurável aparato de espionagem e repressão construído pelo Estado e suas polícias não só por ocasião dos megaeventos?

Com golpe ou sem golpe, com governos mais ou menos à esquerda ou à direita, a perseguição aos anarquistas relacionados aos chamados crimes de ocasião e falsos testemunhos prossegue! Pelas polícias de Estado e pela cidadania policial que se espraia nas ruas, em universidades, empresas e locais públicos.

Os anarquistas são muitos, assim como são muitas as práticas dos anarquismos, pelas quais se convive muito bem com as diferenças e as divergências em práticas de liberdade.

Anarquistas não são pluralistas! Tampouco tolerantes, porque não são cabotinos e sabem que só há tolerância com o inferior que se dispõe a prosseguir sujeitado.

Não admitimos que toquem em nossos companheiros, que saqueiem nossas associações, que interceptem nosso trabalho que, por vezes, é silencioso e paciente, mas que está pronto para o escândalo quando ameaçado.

Chamam-nos de monstros, vândalos, infantis, violentos, e variadas desqualificações. Pouco importa, porque classificados como anarquistas, somos, mais uma vez, os desclassificados.

Porém, não existimos por autorizações, somos inclassificáveis!

Tirem suas mãos imundas de sangue dos 30 perseguidos no Rio Grande do Sul.

Nosso repúdio à “Operação Ébero” é total e irrestrito! Quem gosta de investigações, tribunais e prisões que soçobrem com elas!

Nós somos a favor da vida livre!

Interrompam imediatamente essa investigação absurda!

Ninguém é inocente!

Viva a anarquia!

Saúde!

NU-SOL (Núcleo de Sociabilidade Libertária) PUC-SP

São Paulo, 29 de outubro de 2017.

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